quarta-feira, 17 de junho de 2009

Pouco tenho a reclamar da vida. Sou injusto, esse pouco é muito, reformulo, nada tenho a reclamar dela. Nasci em São Paulo, nela cresci, aqui conheci os primeiros amigos, e rabisquei as primeiras letras. Aprendi o acordar cedo e tudo o que isso representa. Ralei meus joelhos, sonhei em ser jogador do futebol, em ser rico, em ser tudo, cresci, virei administrador, virei marido, virei pai, virei avô. E o que é melhor, agora, sou tudo isso junto, só não sou jogador de futebol. Andei de bicicleta, não em circuitos nobres, não ganhei nenhuma volta ciclista da França, mas sim em entregas de mercadorias; quebrei alguns litros de leite ( alguns ?? ) , briguei com a namorada, fiz as pazes, namoramos, casamos, vivemos por todo o sempre o sonho que o paraíso reserva aos escolhidos. Nada tenho a reclamar da vida, seria injusto se o fizesse. Parei outro dia na Praça da Sé. Viaturas policiais rondavam grupos de pessoas que abusavam da sorte, ouvindo estranhos e se portando como tal. Entrei na igreja, na casa do meu Pai, como sempre digo. E lá terminava a missa, cantada, enlevada, com o mantra do coral ecoando por toda a nave. Fiquei pouco, os números me chamavam e eu tinha que ir. Saí, com a alma elevada apenas por parar uns poucos minutos, naquela casa, na casa do meu Pai, como digo sempre. São Paulo é imensa. Da Praça da Sé à da Liberdade, dois passos. O Fórum à minha esquerda me lembra o alimento físico de todo dia, a igreja de São Gonçalo à direita me traz o sustento da alma, e eu, não dividido, mas compartilhando os dois sigo em frente, atropelando e sendo atropelado por pessoas nesta cidade tão vibrante. E quão imensa é esta cidade. Termino meu trabalho ( termino ?) de hoje, volto pelo metrô, novamente atropelo e sou atropelado, mas ninguém se importa, isto é São Paulo e São Paulo corre. Desço na Santa Cecília, hoje é um dia Santo, outra igreja, outra parada, outra prece. Entro, viro à direita e logo me deparo com a minha Santa Azul. Não há missa, e quando há , pouco as vejo, tenho pressa, São Paulo tem pressa e nós vamos. Subo a D. Veridiana, chego à Santa Casa. São Paulo é humana, mesmo que muitos a sintam ao contrario. Vejo carros, peruas, vans, de tantas cidades, as que estão perto, as que longe ficam, e tantas pessoas que vem em busca da cura, do auxilio, do remédio. Esta São Paulo que não tem remédio, dizem, mas muita cura tem a remediar. Os táxis chegam e saem, as pessoas se atropelam, ( parece que já falei isto por aqui ) os mercadinhos estão cheios de gente, gente que compra, que abastecem, há dinheiro que sobra, há dinheiro que falta, mas o caminhar não para, não para essa cidade e empurrados por tudo, caminhamos. Vou para o Largo do Arouche e me escondo no Minhocão. Chove. Os guarda chuvas se cruzam, trombam. Indigentes dormem sob o concreto, carros voam por cima dele. Falta abrigo, sobra pressa. O Gato que Ri se esparrama da vitrine, a Vieira de Carvalho se perfila imponente. Bares alegres, outros austeros, bares na penumbra, poucos vazios. A Praça da Republica me recebe, tudo nela é superlativo. O prédio do Caetano de Campos deixou de ser o colégio passou a ser a Secretaria da Educação. Perdeu-se a poesia da Praça, sobram desocupados e tantos outros um pouco esquecidos pela vida e muitos que dela se esqueceram. Ruminam sonhos despedaçados, soam musicas diversas. A Praça está perdida no meio dos carros e dos apressados que nela cruzam. Perto dali, um outro Caetano se fez famoso e o Bar Brahma me espera com o mesmo chopp, nesta hora que, como disse o poeta, já se faz tarde e com a tarde que por ora nos abandona, ficam as pastas e o notebook numa cadeira ao lado e o chopp vem. Desfaço o nó da minha gravata, afrouxo o colarinho e desfaço também, aquele outro e tão saboroso colarinho. Enfim parou a pressa, parou tudo, parou nada. Nada para. Luzes são acesas, luminosos informam o bom e o ruim, o certo e o errado. Muda o perfil das pessoas, mas nada para. São Paulo é minha praia. Nasci nela e nela cresci. Quem sabe o destino me leve a outras paragens. Não sei para onde ele vai me levar, mas onde quer que eu vá, ou seja levado, ( o que é mais provável), esta pressa paulistana batucará forte neste ser desarmonioso e despretensioso. Quem sabe o desatino me leve a outros desencontros, a outros atropelos; quem sabe, as idéias escasseiem, os amigos se vão, as pernas vacilem, os desejos se esparsem, quem sabe na hora derradeira eu nem fique aqui, mas o espírito indomável dos habitantes desta cidade de forma alguma morrerá. Quem conhece a cidade sabe que ela nunca para e nunca irá parar. Quem conhece seus habitantes sabe que eles nunca deixarão de sentir a abençoada pressa dos seus dias. Aquele que hoje se for não deixara espaço vazio e um outro administrador, ou poeta, ou medico, mendigo, visitante ou quem quer que seja, tomará o seu lugar, com o mesmo empenho, com a mesma pressa. Vieram os bondes e eles se foram. Os trilhos sumiram no asfalto, os casarões deram lugar aos prédios, as ruas às avenidas, os troleybus às vans; vejo pouco uniformes escolares, sinto falta de tanta coisa que se perdeu nas noites do tempo, sinto falta dos meus passeios nos sábados pela manhã, dos sebos, do Ornabi, sinto falta da Concha Acústica do Pacaembu, sinto falta da turma do Ozanam dizendo que Largados uma vez, largados toda vida..., sinto falta de tanta coisa, como tanta gente, tanta falta sente, mas, São Paulo será sempre São Paulo, com seus 455 anos ou 455 séculos e eu, na modéstia dos meus quase 62 anos, reitero que pouco tenho a reclamar da vida, ou melhor, nada tenho a reclamar dela, eu nasci e cresci em São Paulo, meu..